Fala tranquila, não esconde a agudeza das posições. O reitor da UERJ, Ricardo Vieiralves, fala nesta entrevista, do que é polêmico. Do papel da universidade brasileira, do corporativismo, da experiência das cotas raciais. E não se importa com as provocações. A primeira delas estava em saber se a UERJ tinha um papel qualquer a jogar no Estado do Rio de Janeiro.
[ Site do Vladimir ] Veja bem, aqui nós temos a UniRio, a UFRJ, a UFF. Para que é que serve a UERJ?
Com tanta universidade pública assim, não é?
E para que serve? Por que o estado gasta dinheiro na UERJ?
Acho que essa é a pergunta mais séria que você faz. Na realidade, o Rio de Janeiro tem uma super oferta de ensino público superior em comparação com o restante do Brasil, já há muito tempo. Você tem sete instituições de ensino superior, públicas. No Rio de Janeiro agora, a oitava com a UEZO. É muita oferta.
O que eu penso em relação a UERJ, nesse cenário, é a definição da sua vocação com
relação a ser, cada vez mais, uma agência de desenvolvimento do estado do Rio
de Janeiro. Quer dizer, ela ter uma preocupação regional, entrar no
desenvolvimento, não só acadêmico, mas no debate de soluções sobre problemas
localizados no âmbito do estado. Nós precisamos desenvolver tecnologia, dominar
essa tecnologia, formar recursos humanos, pensar no futuro. O que é que vai
acontecer quando acabar o petróleo, que
tipos de outras alternativas energéticas que a gente vai ter? A expectativa de
petró
Uma universidade que pense sobre o estado do Rio de Janeiro.
Talvez até seja antes, não é? Eu vi um debate na tevê, entre alguns caras de energia e o Delfim, se não me engano, um cara da USP, da FIESP, travando exatamente essa discussão e o Delfim, chamou à atenção para um cara e disse uma frase, que eu achei espetacular, genial: “A idade da pedra, não acabou por falta de pedras.”
É verdade.
Então, o Delfim chamando atenção para dizer que não são 50; são 30.
Provavelmente.
Nos Estados Unidos foram extintos, nesse caminho que você apresentou, bilhões de dólares em energia alternativa.
É verdade.
Então, talvez isso que você está pensando venha até antes.
Segundo é a matriz social. O problema social do Rio de Janeiro é gravíssimo. Se você pensar essa questão da violência, ela tem um cruzamento de cinquenta mil complexidades. Desde aspectos culturais da vida social, desde a ausência do estado. O Rio é uma megacidade. Pensar a cidade do Rio de Janeiro também é uma vocação da universidade. Ou seja, soluções urbanas criativas, soluções novas de outros eixos de alinhamento social. Por que a gente não está trazendo também experiências novas que estão acontecendo em metrópoles do mundo todo? Na Austrália, em Sidney, estão montando estruturas de mediação, em bairros, onde você tenta criar situações de resolução de conflito. Aqui no Rio de Janeiro está tomando, cada vez mais, uma proporção maior, não é? Briga de trânsito está virando morte. Não era assim, mas está sendo assim. Tem que meter o dedo nessa ferida. Não tem jeito.
Terceiro, que esse estado é falso, não é? Você conhece muito bem o estado do Rio de Janeiro. Quer dizer, você tem um deserto imenso fora da capital do Rio de Janeiro, sem vocação definida, sem saber o que fazer. A atividade agropecuária e a atividade agrícola não mais existem. Pensar em eixos de desenvolvimento para esse estado, novas matrizes de desenvolvimento. Lá em Friburgo estamos fazendo isso, tentar induzir uma indústria fármaco com cosmético, a partir de um curso nosso. Aproveitar a Mata Atlântica. Que dizer, tem um eixo de desenvolvimento para a região com curso, com instalação de laboratórios; que apóia a indústria, cria emprego. Senão não vai dar certo.
Como está a UERJ nessa função de Incubadora?
Incubadora está indo bem. Quer dizer, andou uma fase muito ruim, descompromissada. Porque a UERJ não tem sentido, se ela for pensada no academicismo stricto sensu. Se ela não tiver uma parte forte de ciência aplicada, ela realmente não tem sentido. É um desperdício de recursos. A área de saúde tem que pensar também dessa maneira. A legislação brasileira, em nível internacional, é a legislação melhor para a pesquisa de célula tronco. Isso vai desenvolver uma série de fármacos. Se a gente não desenvolver, nós vamos comprar. E caro. A gente já paga, no Hospital Pedro Ernesto, uma fortuna para adquirir determinados medicamentos de patentes de alta tecnologia. Os equipamentos de diagnóstico são caríssimos e cada vez mais, na mão de terceiros. Acabei de assinar uma coisa com a Phillips, na qual sou obrigado não só a comprar, mas a ter contrato de manutenção. Porque ninguém dá a manutenção. E a manutenção fica na Holanda. É brincadeira! Ou a gente começa a ter um eixo que também aponte no desenvolvimento da construção de soberania, ou vai ser feio. E a gente parou, sabe Vladimir, de pensar em ciência aplicada. A universidade caiu num vício da ciência como valor em si mesmo. Ela tem o valor em si mesmo, mas não é suficiente para o gasto público, que tem que ter uma parte aplicada, forte. Acho eu.
Você vê, a gente tem um bando de universidades que pode dar formação, que não precisa fazer pesquisa. Agora, você tem outras universidades que têm que fazer pesquisa.
Exatamente.
“Vaga ociosa em universidade pública é criminoso.”
Porque essa questão da universidade pública, inclusive aqui no Rio, faz com que tenha os mesmos cursos, às vezes, e uma concorrência absolutamente sem sentido?
E às vezes, com vagas ociosas. Eu estava conversando com o Aluísio [Aluísio Teixeira, reitor da UFRJ]. Por que, o que é que está acontecendo? Ele fica com vaga ociosa e eu fico com vaga ociosa. Porque é mais ou menos o mesmo aluno que passa em todos os vestibulares em instituições públicas. E aí, como o sistema de preenchimento de vagas não é combinado, o cara se matricula, depois abandona e vai para lá, e eu fico com a vaga ociosa; e o contrário. Agora, vaga ociosa em universidade pública é criminoso. É absolutamente criminoso. O custo da vaga pública é altíssimo. Nós somos infinitamente mais caros que a instituição privada. Você multiplica o nosso custo por dez, da melhor privada do Brasil. Não tem sentido.
E o governo não faz nada para resolver isso, não é?
Não.
Sistema de cotas é sucesso na UERJ.
Eu queria que você falasse a respeito da questão das cotas. Como é que você vê a forma como hoje é a cota? Se ela funciona de fato. Porque a gente escuta muitos comentários sobre a eficácia.
Ela funciona. Nós temos hoje por volta de 32%, mais ou menos, da Universidade, com cotas; 68% não cotistas. A gente está pegando a performance... eu agora estou olhando mais. Eu posso te mandar isso Vladimir; é muito interessante.
Eu queria que você mandasse também a comparação de vocês – que é um sucesso, eu sei – com as outras universidades públicas.
Pois é. A gente agora conseguiu uma base de dados muito legal; muito clara. Por exemplo, qual é a diferença que você percebe em cursos de baixa densidade social. Pedagogia localizada na Baixada Fluminense, Caxias: a diferença no vestibular, da nota de ingresso, entre cotista e não cotista é quase nenhuma. A diferença é de décimos. Às vezes, em vestibulares, tem cotistas com notas maiores que os não cotistas.
Então, sobre o ingresso, na realidade, determinados cursos não têm nenhuma diferença no ingresso. Às vezes até a diferença é maior pró cotista. Com nota maior que o não cotista no ingresso; no vestibular. Em cursos de alta densidade social ou de grande procura, que na UERJ eu vou situar em quatro: Odontologia; Desenho Industrial _ que era o curso mais elitizado _ eram esses dois; Medicina e Direito, ainda tinha pobre, tinha gente de outras classes sociais e etc., mas Odonto e Desenho, ninguém. É só branquinho, de classe média alta do Rio de Janeiro. Esses cursos, no ingresso, têm diferença no vestibular. Qual? O cara não cotista está passando com 8,5; o cotista tá passando com 6,5. É uma diferença, mas não é três, não é dois. Ele está passando com uma diferença. Primeiros anos: equilibra, se aproxima, ou a diferença é irrisória, em nível estatístico, de pouco percentual nas notas e etc.
O que está acontecendo de fenômeno agora é que a gente está reprovando muita gente nos últimos anos. Cotistas e não cotistas. A UERJ mudou a curva de reprovação. A reprovação ao invés de ser nos primeiros anos, está sendo nos últimos anos. Aí, pega uma fatia maior de cotistas. Mas, você não tem diferença substantiva, em performance acadêmica. Você observa determinadas disciplinas que o cara tem dificuldades, por causa do conteúdo de base, que ele não tem de segundo grau. Português, que exige redação e coisa e tal.
A gente tem que criar um mecanismo de apoio disso; de compensação da falta de segundo grau. Eu estou pensando agora, em criar um sistema de compensação. Mas em nível de performance acadêmica a diferença é nenhuma, ou quase irrisória.
Ou seja, a Universidade está reprovando muito no último ano. Podia estar passando todo mundo, cotista e não cotista, significava uma esculhambação geral, mas não está. Aumentou o índice de reprovação substantivamente.
Por quê?
Não sei Vladimir.
Porque na Europa, realmente é nos primeiros anos. Você resolve o assunto ali.
Em geral, se resolve no básico. Nós estamos atacando nos últimos anos.
Mas esse mecanismo que você está citando, está atingindo a Universidade como um todo? Você acha que o nível acadêmico está baixo?
O nível acadêmico é mais baixo, em todos os sentidos. Porque você não lê. Estudante entra sem leitura e sem formação. A cada ano, os nossos estudantes que ingressam são piores; em nível de conteúdo. A questão que está colocada é que esse nível de compensação... porque você tem deficiência. Eu saí da universidade, antes da cota, e voltei a dar aula depois da cota. E o que é que eu percebia? Na prova, por exemplo, eu identificava o cotista pelos erros de português. Você sente que isso é um problema de alfabetização, não é de segundo grau. Quer dizer, erros de quem não teve aula de português.
Agora, é impressionante o grau de superação dessa meninada, com relação a conteúdo acadêmico. Como eles estudaram! Eles estudaram mais do que os não cotistas, assim, três, quatro vezes mais. E compensavam pelo esforço pessoal, todas as deficiências do passado e conseguiam se recuperar por esforço próprio e por dedicação. É uma coisa impressionante. E muitos deles fazendo manifestações públicas assim, do que é que significa essa oportunidade que o Estado e a Universidade estão lhe conferindo. Depoimentos emocionantes, nesse sentido.
Agora, português, não adianta. Se você é mal alfabetizado, você tem que passar por um outro processo de educação. O cara faltou... na escola pública, quantas aulas de português ele teve? Com professor desmotivado, professor não especializado.
Você acha, então, que o sistema de cotas é benéfico, mas...
Ele é benéfico, mas ele tem que ser avaliado a cada período. Eu acho que de dez em dez anos é um bom período para você avaliar, se mantém ou não.
“Eu sou contra um sistema permanente de cotas, ad eternum. A manutenção dele significa que a desigualdade no Brasil se mantém de maneira intensa.”
Por que se mantém ou não mantém?
Porque a manutenção dele significa que a desigualdade no Brasil se mantém de maneira intensa. No dia em que essa desigualdade terminar, ou racial ou de oportunidades, o sistema de cotas tem que terminar; não é? Ele é uma política de força do Estado, para acelerar a redução de desigualdade. Mas ele tem que medir essa aceleração e essa redução de desigualdade, toda... de dez em dez anos. Ele tem que ser rigorosamente avaliado, a meu ver, de dez em dez anos. Manter? Renova por mais dez e assim vai sendo. Eu sou contra um sistema permanente de cotas, ad eternum. Porque isso daí significa a falência do Brasil. Você não reduziu a desigualdade! Você vai precisar de uma política dessa afirmativa, o tempo todo, porque você não reduz desigualdade, é a falência do país! Como país republicano. Falência absoluta do país. Eu não quero acreditar que o Brasil vai falir dessa maneira.
O Lula falou que faz uma revolução na educação. Essa revolução passou pela UERJ?
Ainda não passou não. E eu acho que ele pensou na idéia de um sistema unificado nacional de ensino superior. Mas unificando, a meu ver – e eu disse isso para ele; para o Ministro Haddad – começou pelo lugar que não era para unificar dessa maneira, que era o vestibular. Hoje, o problema não é o acesso. As universidades brasileiras estão atendendo à pressão de demanda. Quer dizer, não é como quando você fez faculdade, tinha aqueles excedentes. Lembra daquela coisa? Hoje atende-se praticamente à demanda.
Com um sistema privado bem maior.
Bem maior. Quer dizer, nós somos hoje 30% do sistema. 70% é privado. Isso gera problema. Agora, outras coisas estavam na hora de serem trabalhadas. Essa coisa, por exemplo, de racionalidade do sistema: de não ter vaga ociosa. Isso pode ser trabalhado. De definir determinadas vocações e fazer uma convocação política e pública, do qual o seguinte: eu tenho gente que trabalha um pedaço da célula tronco, na universidade tem cinco ou seis pesquisadores de ponta, nesse sentido. A Universidade Federal do Rio de Janeiro tem dez. A UniRio tem, sei lá quantos, dois, três, dez. Mas nenhum sozinho consegue desenvolver um instituto para a produção de patentes e etc. Se o governo vem e induz: “Vamos aqui, consorciar vocês três. Porque em 5 anos, o Rio de Janeiro vai produzir patentes em célula tronco, fármacos, e vai doar para o país.” Pronto! Isso é uma indução de política, a meu ver, muito melhor do que debater vestibular.
Também acho. Me diz uma coisa, reitor, vocês se unem, os reitores das federais, quando vão lá fazer reivindicações para o Ministro, ou você atua em faixa própria?
Eu atuo em faixa própria. Agora, o governo federal, o MEC, não dá um tostão para a UERJ. Ele diz que nunca tem dinheiro para dar para as estaduais. Ele só financia o sistema federal.
Porque você sabe, a nível federal, eles vão lá e os reitores fazem lobby, fazem um acordo, apresentam uma pauta para o Ministro, o Ministro dialoga com eles e tal. Isso tem dificultado muito a política universitária, no sentido que as universidades não são iguais; e então, quando tratam as mesmas coisas do mesmo jeito, impede essa divisão do trabalho que você falou: que de um lado impede a combinação, mas do outro lado também, impede a especialização.
Claro. Agora, nós não temos organização política para isso. A gente tem um conselho de Reitores, chamado Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras – CRUB – que é um clube. Quer dizer, 70% privado. Na realidade, faz as reuniões, ou para fazer lobby junto ao governo federal para recursos das privadas. E você tem duas associações: uma das universidades estaduais e uma das universidades federais, que não se falam, não se reúnem. O setor público não se reúne em uma instituição só. Não desenha política, não desenha ação conjunta. Acabamos muito bons amigos, conversando sobre coisas, ou atuando sobre incêndio ou reivindicações parciais.
“Falta uma chamada de Estado para concluir mais esse papel menos corporativo das instituições universitárias.”
O papel da universidade no desenvolvimento econômico tem sido muito esquecido no Governo Lula. Eu digo isso, porque nos anteriores também, não é nenhuma novidade. Por exemplo, hoje eu vi uma entrevista sobre o programa aeroespacial. O indivíduo dizia que nós estamos atrasados, devíamos ter enviado foguete em 2007 e ainda que, não só o nosso programa não tem ambição, como não queremos fazer um programa espacial. Ou seja, era o funcionário da Agência Espacial! Quer dizer, o horizonte que se coloca a questão cientifica e tecnológica é vital no mundo de hoje, é um horizonte ao contrário. O cara vai para o espaço, ao invés dos grandes programas, as grandes necessidades a longo prazo do país, ele está pensando que isso é uma espécie de bolsa-família, entendeu? Como é que pode fazer?
Eu acho que falta uma chamada, de ambas as partes. Falta uma chamada de Estado para concluir mais esse papel menos corporativo das instituições universitárias, que têm o vício do corporativismo e às vezes não pensam para além de si mesmas.
Você vê esse problema, que você tem
inclusive – e eu lhe acompanhei, pude ver sua ação lá
E se for para atrair
investimentos para a região. Senão, não tem sentido. A gente está abrindo o
curso de turismo
Por exemplo, nós estamos sendo chamados agora pela Marinha de Guerra do Brasil, por conta do programa dos submarinos nucleares. Nós não temos quadros, recursos humanos, para trabalhar nos submarinos e nem nos navios que provavelmente a nossa Marinha vai criar. Eles estão convocando a gente. É dever nosso atender. Então nós vamos abrir um curso de engenharia nuclear, para atender e formar quadros para esse tipo de ação. Porque senão não vai ter recurso humano! Nas siderurgias, nós temos um problema de campo. Na indústria naval? Problema de campo. Não tem engenheiro, Vladimir! Não tem engenheiro. Área de petroquímica? Não tem engenheiro químico suficiente para absorver toda essa coisa.
Então, interiorizar sim, mas, por exemplo, medicina hoje... o estado do Rio de Janeiro tem uma população per capita, médico/população, equivalente a países europeus de primeiro mundo. O problema não é falta de médico; o problema é onde o médico está. Que 80% estão no setor privado e 20% no setor público. Ou quando vai para o setor público, usa o setor público como bico. E aí vai para o seu consultório e larga o setor público. O problema não é falta de médico, o problema é outro, de gestão, de localização, de salário, especialmente no Rio de Janeiro.
Mas aí tem aquela história de que um advogado, um engenheiro e um médico, está resolvido. Não é isso. Por isso que a gente promove aqueles seminários. Nós somos os únicos que fazemos isso, porque aí ouve a cidade, bate de frente, conversa às claras, e vai se chegando a um projeto comum. A gente fez assim em Resende, nós discutimos com o setor industrial. A nossa meninada está sendo empregada no 3º ano. Nós temos 100% de empregabilidade. Um projeto bem sucedido. Formou outra região, está fixando o garoto lá, está permitindo que o parque industrial se expanda; porque tem mão de obra qualificada. É assim.
Você me elogiou o Alexandre, o nosso Secretario de Ciência e Tecnologia...
Saiu agora, não é?
Mas como diz o político mineiro... permanece no nosso coração....(risos). Aí, você vê o seguinte, você conseguiu com o Alexandre, que é uma pessoa competente, juntar empresa privada, estado, universidade?
A gente
conversou. Essa coisa, por exemplo, da Marinha de Guerra, é uma articulação
minha e dele e a Marinha. Porque na realidade, esse painel das vocações ou das
potencialidades do Rio de Janeiro não é bem definido, entendeu? Porque isso
tem que estar associado a um plano de desenvolvimento. O que é que nos
interessa? Nós já temos o petró
”Trazer indústria limpa; trazer indústrias menos poluentes. Isso precisa de alto valor agregado, em tecnologia. ”
Claro.
Então, o que é
que nos interessa? Trazer indústria limpa; trazer indústrias menos poluentes.
Isso precisa de alto valor agregado,
Começar realmente a fazer um zoneamento do estado?
Claro. Agora, por isso que a gente fala dessa coisa dos fármacos, por exemplo; que é uma indústria limpa. Você sabe que O Boticário hoje é uma das indústrias mais importantes no Brasil, com distribuição internacional. Se a gente tiver uma linha de produção, de formação de recursos humanos, de fármacos, de cosméticos, com Mata Atlântica, ou seja, associado à pesquisa, claro que a gente atrai O Boticário, atrai Natura, para um determinado lugar. Então, ela vai ter recurso humano, é uma indústria limpa, produz emprego, entendeu? Agora, não dá para uma universidade fazer sozinho. Isso sem governo não.
O pessoal da UERJ, sobretudo os estudantes, também funcionários, professores, pedem muito os 6%. Você acha que isso é uma questão importante, ou não?
Eu pessoalmente não acho que o problema está relacionado a um percentual. Quer dizer, hoje é insuficiente? É claramente insuficiente.
Dá para calcular em percentual?
Hoje a gente está por volta de 4%; 3,8. Nós já chegamos em 5,3%, 5,4% da receita tributária. Hoje está menor, porque a receita cresceu por conta dos jogos. Na realidade, hoje a gente precisava de um volume de recursos para a recuperação de infraestrutura e aquisição de equipamentos, problemas grandes, salariais. Mas, por exemplo, se me dão 6%, ou dão para a Universidade 6%, mas vai tudo para custeio? Vai sobrar; entendeu? Nesse momento sobra, ou a gente vai gastar mal; sem planejamento. O que a gente precisa? Precisa de prédio, porque a gente cresceu. Então, não tem dinheiro para fazer prédio. Precisa comprar máquina de ponta. Isso a gente até tem conseguido, mas podia acelerar esse processo, para você ter domínio no campo tecnológico.
Você falou aqui na questão do petró
Um fundo de demanda induzida. Nós temos problema, por exemplo, com energia solar. Se resolve razoavelmente bem para aquecimento, mas não está resolvida. É cara, entendeu? Cria-se um fundo para a gente resolver, em 10 anos. Ou seja, o Rio de Janeiro, sol o ano todo, e aí você baratear o custo dessa história. Eu acho que um fundo, que fosse gerenciado, por partido, sociedade, estado e universidade. Se pudesse fazer uma direção pactuada para o desenvolvimento do estado.
Esse ano é ano de eleições. E a universidade, em geral, não tem tido um papel, digamos assim, que chame atenção, nas eleições. Evidentemente não é para chamar o candidato ‘a’ ou o candidato ‘b’, mas, por exemplo, o desenvolvimento do Rio, como você disse, está em jogo, entendeu? A Universidade é capaz de, por exemplo, colocar a sua voz em questões importantes que ela acha para a sociedade?
Eu acho que a resposta é construir uma agenda, Vladimir. Sinceramente. Eu acho que dá para construir uma agenda política sim, nesse sentido. De tensões, de problemas em várias áreas. A gente pode juntar por tema, e fazer uma agenda política nesse sentido. Acho que é possível.
Integrando inclusive, as universidades públicas, que são federais, mas que afinal, estão no Rio de Janeiro.
É. Uma agenda política sim; eu acho que é possível a gente fazer, pautar algumas soluções aqui e ali.
Tirando o aspecto político-partidário, que às vezes, nem sempre, empobrece.
Acho que sim. Acho que é possível.
Por exemplo, a disputa presidencial. Eu vi uma declaração da Dilma, uma coisa até divertida, que ela disse que o Serra também foi Ministro do Planejamento e não planejou nada. Para acabar com aquela história de que ele foi um grande Ministro da Saúde e tal. O Serra, por sua vez, na semana passada, denunciou a corrupção, embora de uma forma elegante. O nível da campanha, não é que seja baixo porque é agressivo, mas é paupérrimo. Não se discutem os grandes temas nacionais. Universidade, por exemplo, essa experiência que você teve, os problemas que hoje está enfrentando, as questões de financiamento, da UERJ, isso tudo eu acho que era uma contribuição que as universidades poderiam dar.
Acho que sim. E criar essa agenda sociopolítica. Acho que seria um bom papel, produzir seminários desses. Uma agenda política para o Brasil.
Agora, a UERJ, ela tem um plano a longo prazo, de interiorização? Quer dizer, qual é o balanço que ela tem entre interiorização e especialização?
Ela é muito lenta na interiorização. Nós somos lentos. Porque tem esse processo de amadurecimento, de debate, de conversa. Nós temos estabelecidos alguns eixos, hoje, por região. A gente quer atuar mais na Baixada Fluminense. Porque aí, tem uma vocação social da instituição, ela deve responder, e deve atuar inclusive fortemente. Tanto na Baixada Fluminense quanto São Gonçalo, na Baixada Carioca.
Sobretudo em
cursos de alto status social porque aceleram
a redução de desigualdade. E a gente está só botando formação de professores. Eu
acho que é um processo revolucionário, oferecer engenharia associada, nuclear,
Nessa sua expansão, tem alguma concorrência com outras universidades?
O governo federal abriu uma linha de crédito enlouquecida. Mas aí...
Você vê a Universidade Rural, falando de
especialização, que é uma universidade especializada, está entrando com os mais
diferentes cursos agora; inclusive
É verdade. Abriu
sete cursos
Assim como autonomia por autonomia. De vez em quanto, o pessoal reclama, quando eu digo que autonomia universitária é um fenômeno da sociedade feudal. E o pessoal quer toda a autonomia possível, sem gerar nenhum recurso.
Não; isso é sem sentido. Isso é criminoso. Ela tem que prestar contas e tem que ter controle. De alguma natureza. Ela tem que pactuar com a sociedade. É um dinheirão. É porque fica como um discurso religioso. Assume determinadas palavras e fica repetindo...Ela exerce uma função pública.
Mas isso é na universidade. Eu fui na própria UERJ, num ato. Eles queriam compromissos das pessoas que estavam lá, com algumas reivindicações, 6% e outras coisas. E em algum momento eu fui chamado a falar. Eu falei que era preciso. Precisa debater o papel da universidade. Porque senão se faz um negócio partidário. Assina qualquer coisa. Vai lá, político assina, mas não tem este debate. Se a universidade hoje não se unir ao estado e a empresa, não vai para canto nenhum.
Não vai para canto nenhum. Ou fazendo determinadas intervenções, que significam ações sociais. Por exemplo, agora a gente está montando o centro de obesidade lá. E é muito interessante o modelo que a gente está montando pra pesquisa básica, aplicação de novos fármacos, novos diagnósticos e atendimento. Nós estamos com 46% da população brasileira com sobrepeso e obesidade. Nós estamos adotando o processo americano, que é sem extrato social. Quer dizer, gordo hoje não é problema de rico. Está estabelecido em todos os extratos sociais, não tem mais sexo, é homem e mulher, não tem mais cor, é branco e negro. Ou seja, é uma estrutura generalizada na sociedade. Só que é uma doença, que eles estão pensando, como inflamatória, derivando em hipertensão, doenças cardíacas, encarecendo o sistema de saúde, etc., etc., e os caras estão fazendo cinquenta mil estudos de intervenção, sem aquela coisa de tirar também o prazer de viver. Ninguém é para ser militar.
Me diga uma coisa que também é importante: como é que você vê a UERJ – que é um problema da escola em geral do Brasil – que não consegue ser um agente cultural.
Não; não consegue.
“A derrota política nossa, e especialmente da sua geração pré-ditadura militar, introduziu um modelo de universidade completamente arcaico e autoritário.”
Você bota uma escola numa comunidade, todo mundo sabe, por exemplo, que a prevenção, na saúde, é uma questão importante. O nosso Arouca, o sanitarista, já dizia há muito tempo. Mas a nossa escola não consegue reunir condições de ser um pólo cultural para pegar a saúde, para estimular a leitura, para trazer aspectos da vida cultural para a comunidade. Embora o governo federal tenha criado aquele conceito de escola comunitária, que foi um avanço e tal. Mas as universidades também não. Eu vou lhe dar um exemplo concreto: eu estava fazendo o meu doutorado na UFF e vi lá que tem umas conferências. Uma vez foi lá um tal de Monsieur Bidê fazer um negócio de meu interesse e tal. Mas quando você vê, aquilo era só para entendido, de preferência da própria Universidade. Quer dizer, a Universidade paga, traz o cara, não faz propaganda nem para os setores públicos da sociedade. Que podiam se interessar por um debate qualquer. Então, a universidade perde muito essa função de trabalho com a sociedade.
Vladimir querido, nós perdemos, não é? A ditadura massacrou a universidade brasileira. Se criou uma outra universidade. Não é a que pensasse o Brasil, que pensasse culturalmente Não é só em 60, Anísio Teixeira falou isso em 30. Quer dizer, vários brasileiros, da tua geração lutaram por uma reforma universitária. A derrota política nossa, e especialmente da sua geração, pré-ditadura militar, introduziu um modelo de universidade completamente arcaico e autoritário. E que não pensa dessa maneira. Primeiro, ela é organizada por departamento; por disciplina. O mundo não é mais assim e nem o pensamento é assim. Como é que você diz que cada coisa é desse tamanhinho? Isso vai montando dentro da natureza, do qual você não fala um com o outro, dentro da própria universidade. Não é nem com o mundo não; é dentro da própria universidade.
Você sabe que na minha época, a Escola de Filosofia tinha química, física, matemática, letras...
A gente tem que ter coragem de explodir o modelo que foi o acordo MEC-USAID que ainda está vigente na universidade brasileira. Ainda não tivemos. Na realidade, nós aceitamos a reforma de 69, imposta pela ditadura, como modelo da universidade brasileira. Uma coisa que a gente alterou foi a eleição para Reitor. Mais nada. O modelo é o mesmo. Igualzinho. Nós estamos no modelo da reforma de 69, com algumas invenções, com o Darcy, com a Lei de Diretrizes e Bases, mas superficiais, e grande parte delas não foram efetivadas.
“Eu acho que é preciso fazer uma reforma universitária no Brasil”
E qual seria a solução?
Eu acho que é preciso fazer uma reforma universitária no Brasil. Que pense nesse novo modelo, que desmonte a sua estrutura interna, que fale com a sociedade, que se abra para o mundo, que tenha controle social.
De que forma que a integração, você acredita, seria mais interessante? Você citou esse caso dos departamentos?
Olha, até fisicamente. A nossa Universidade tem um prédio que é privilegiado no Rio de Janeiro. Quer dizer, é um lugar central, com sala de aula para tudo que é lado. Correto? Aos sábados, a gente não poderia, por exemplo, estar preparando agora a população carioca para os grandes eventos que vão acontecer, de Copa do Mundo e tal? Por exemplo, fazer um sabadão de inglês, para garçom, taxista. Não podia estar ocupando esse espaço para ofertar esse tipo de coisa? Fazendo um upgrade real, botando os nossos estudantes de mestrado, de graduação dos últimos anos; entendeu? Isso inclusive pagando bolsa. Ninguém vai trabalhar de graça. Não é trabalho voluntário não. Não precisa. Mas você faz uma oferta dessa para a cidade, principalmente para esses setores da cidade que podem ter um ganho político e um ganho pessoal significativo num processo desses. Só que ainda não fez. E é preciso fazer.
Esse tipo de envolvimento, com problemas da cidade, com problemas locais, com abertura, a gente força a mão, mas elas fecham. Se entra muito pobre, ela fica complicada, começam outras discussões. Essa coisa do gueto: que aí o professor bambambã, de francês e não sei o que – “É meu! Isso significaria que vai me pontuar, que vai me dar prestigio acadêmico.” Na realidade, não dá nada. Nem repercute.
Me diga uma coisa: você virou patrão! É professor, mas virou patrão.
Não; virei chefe.
Então, como é que você sente a prática corporativa? Os estudantes já invadiram a Reitoria, não foi? Já ocuparam? Não foi com você que ocuparam?
Foi, foi.
E os professores, como é que você faz essa gestão, com um espírito corporativo tão desenvolvido, que existe na universidade brasileira?
A minha
esperança são os estudantes. Que os estudantes tencionassem a corporação. Mas os estudantes tencionam muito pouco a
corporação. Em
geral, fecham acordo com a corporação. Podiam tencionar muito mais, exigir
outras coisas. Exigir uma Universidade mais engajada, exigir qualidade.
A coisa mais absurda do mundo é que o cara entra num curso; ele não
entra na Universidade. Se o cara entra na História, ele passa a vida toda dele
dentro da História, dentro de uma Universidade com trinta e nove cursos e ele
não pode ir ao lado. Ele não pode fazer uma disciplina
Mas os estudantes não ficam quietos justamente por culpa desse modelo?
É; o modelo é ruim. O modelo é disciplinar. Mas os estudantes se acomodaram do passar de ano.
Mas talvez porque não já tenha uma estrutura perversa, em que o estudante é visto ali como um simples depositário de conhecimento? Essa coisa da figura do professor catedrático não acabou. Por falar em corporação! (risos)
Acho que sim. Nós temos sistemas perversos de pontuação, que significa prestígio acadêmico e dinheiro para pesquisa, viagem, bolsa. Então, se eu participo de um seminário como esse francês, eu ganho ponto. Mas eu não quero que o meu colega participe, porque ele ganha também.
A questão individualista está predominando ao coletivo, dentro da universidade?
Sob o espírito coletivo, cada vez mais.
Mas em que momento a universidade perdeu?
Ela perdeu com a reforma, e perdeu quando acabou a ditadura, a gente precisava e a gente faz, discute, o problema da universidade.
Quando os estudantes reavivaram esse debate da reforma universitária, em 2003/2004, surgiram algumas discussões, inclusive capitaneadas pela Professora Marilena Chauí, ela fazendo a diferenciação da universidade enquanto instituição social, que é independente do Estado, e pode ter, nas tensões com o Estado, uma forma de sobrevivência, ou a universidade como organização social; que, em muitos momentos, acaba sendo refém do modo de produção. Em que momento, na sua opinião, a universidade perde, nesse sentido?
Eu acho que, primeiro, a ditadura massacrou a universidade brasileira. Isso indiscutivelmente. Mas quando acabou a ditadura, nós estabelecemos que o nosso grande debate era a democracia interna.
O modo de produção capitalista acabou influenciando a universidade?
Só. Então, quando a gente resolveu que podia eleger todo mundo, a gente achou que o nosso problema estava todo resolvido; simplesmente acabou. Não é isso!
Isso na área da saúde também. Se elegiam diretores de hospitais.
Eu lembro. A reforma da universidade era a reforma da democracia. Ou seja, nem da democracia; da escolha. Nós elegemos na UERJ todo mundo. Não tem nada, ninguém que não seja eleito. É um negócio até de eleição sem parar. A gente acaba uma eleição e entra noutra.
Todo mundo, você quer dizer todo mundo que passa por um cargo dirigente também, não é?
É. É um negócio de maluco. É eleição sem parar. Quatro anos de eleição. É uma por ano.
Pelo aspecto de escolha, não é democrático.
Hoje, por
exemplo, a eleição de Reitor: o corpo discente tradicionalmente participa com
25% a 30%; o corpo docente participa com
E o percentual de cada corpo é quanto?
É 1/3; 1/3, 1/3. Que tem uma fórmula lá, um redutor, pela abstenção. Que pelo menos justifica que a abstenção é um ato político; logo você perde mais força. É um redutor interessante. Porque senão ia ficar muito desequilibrado. Agora, a questão democrática é uma questão importante. Mas para você ter uma ideia, na minha Universidade, um exemplo claro: nós temos uma deliberação do conselho de ensino e pesquisa de 1987, que diz o seguinte: “regula provisoriamente a estrutura acadêmica da UERJ’. Ela está em vigor até hoje! Não se enfrentou o debate sério, que é o corte disciplinar, essa vida departamental, esse lugar focado de estratégias, de desenvolvimento. Quer dizer, não tem jeito.
E os interesses corporativos, eles se fazem vistos, como você disse: junta professor, funcionário e estudante – sem visão crítica, necessariamente, fazem greve na universidade, que é um instrumento público – mas por interesse meramente corporativo.
Não, e tem o problema das campanhas. É sério isso. Nós temos eleições hoje e a quantidade de candidatos prometendo redução de jornada de trabalho é uma coisa de louco: “Não precisa trabalhar oito horas; pode trabalhar quatro. Pode ter um day off”. Tudo informal; mas é assim. Porque o cenário político também se introduz uma série de elementos. Campanha! Custo de campanha. Começa a introduzir outros elementos na universidade.
Essa é uma questão interessante também, porque nas eleições para hospital, tinha um candidato do PMDB, do PT, do PDT. Quer dizer que a partidarização da universidade, como a universidade não é um país, partidarizar é um problema também. Porque você começa a levar para lá, linhas gerais dos partidos políticos.
Você sabe que eu tenho uma história com o PT, eu sou do PT; agora, eu não faço política partidária dentro da Universidade. Quer dizer, eu faço política à esquerda. Porque esse é meu papel também, e aliás, deixei isso claro desde o início, inclusive no meu processo de candidatura. Que sou uma pessoa de esquerda, e faço política, na minha concepção, à esquerda. Quer dizer, agora, não acho que o PT tenha a hegemonia da esquerda, nem hoje e nem nunca. Esse conceito de esquerda é um conceito que inclusive passa por mudanças de costumes que os partidos não necessariamente mexem. O PT resistiu muito para tratar determinadas questões. Você sabe muito bem disso.
Mas esse negócio da partidarização mostra o seguinte, que é uma coisa que você disse e me parece importante: democracia na universidade não pode ser como democracia na sociedade.
É claro que não. É outra história.
Aliás, nem no Partido e nem na UNE.
Como também não pode ser candidato qualquer um. É diferente da vida social. Porque, na vida social, qualquer cidadão pode, e deve, ter o direito de ser candidato. Na universidade não. Se ele não tem liderança acadêmica ou se ele não tem história, ele não pode ser candidato a Reitor. Não dá.
A reforma universitária não passa pelo vestibular.
Claro.
Ele não tem respeito dos seus pares. Ele não vai entender do que se está falando. Não tem jeito. Exige um pressuposto, que é diferente da sociedade. É diferente! Não é uma instituição da sociedade! É uma instituição da elite da sociedade. De outra característica completamente distinta, entendeu?
E eu acho que hoje, o problema do corporativismo é um problema grave nas universidades públicas. Agora, nós precisamos ter coragem para enfrentar a reforma universitária de verdade. E que não passa pelo vestibular, a meu ver. Não é essa a questão central. Isso eu tentei falar com o Ministro. Claro que essa coisa do acesso é séria, mas outras coisas nesse momento são mais sérias. Nesse aspecto, o Ministério de Ciências e Tecnologia foi mais corajoso. O Sergio Resende começou a implementar um plano de demanda induzida, um plano de desenvolvimento tecnológico sério. Ele foi mais corajoso e ousado, nesse sentido.
E com um orçamento muito pequeno, não é?
Cresceu um pouquinho. Mas já tinha até uma tradição, mesmo no Governo Fernando Henrique, o Sardenberg não foi um vendilhão. Foi um cara preocupado, entendeu? Enquanto o Paulo Renato abria a porta para as instituições privadas, o MCT jogava no interesse nacional.
“INPI precisa de uma reforma urgente e grande! “
Mas mesmo no MCT, não houve muitas resoluções boas, e de pouca eficiência?
Mas aí, por
exemplo, para o Brasil. Eu tive uma reunião com o Lula, mas não adianta pensar
o processo de desenvolvimento tecnológico, sem pensar na reforma do INPI; entendeu?
Nós estamos levando num processo de patentes, de
As coisas se arrastam. A questão do submarino da Marinha, com a qual agora você pode colaborar, você vê há quantos anos se arrasta? Não tem verba.
É.
Todo mundo sabe que a Marinha fez um grande esforço, inclusive deslocando uns recursos lá para o nuclear, mas o processo... o aeroespacial está atrasado; o nuclear está atrasado.
Está atrasado e agora vai sair sem recurso humano. Aí nós vamos ter que correr agora...
Ou nós vamos importar americanos. Ou russos, não é? Que agora a moda é importar russo.
É.
Quer dizer, não tem. A universidade deveria ter um papel central nisso, inclusive com proposta, não é Reitor?
Eu acho sim. É preciso mudar esse modelo de estrutura. Agora, para evitar o corporativismo, só um pacto estado/sociedade/universidade. Tem que ter controle, tem que ter agente externo tencionando a universidade brasileira. Senão a tendência é você ir para a corporação e atender aos interesses da corporação. E aí, você faz um excelente reitorado, se aumenta salário e cria benefícios, reduz a jornada para os professores, deixa viajar para congressos no mundo; e para os estudantes, bolsa e festa. E você resolve todo o seu problema de gestão, sem crise na universidade. É muito pouco.
Ocuparam a sua Reitoria por quê?
Até hoje eu não sei direito.
Mas não explicaram não? (risos)
Não explicaram não. Agora, queria eu que ocupassem a Reitoria, não só a Reitoria, mas a Universidade, por esse tipo de proposta.
Você sabe que tem um certo espírito vigente na faculdade entre os estudantes: “O que é que eu posso fazer pela sociedade?’. Quer dizer, tem estudante que não suporta o movimento estudantil como ele é.
Não; não suporta.
Mas que se dispõe a fazer alguma coisa pela sociedade. Aliás, é a fase, não é? Quando você é jovem e está virando adulto, você tem uma grande disponibilidade. A universidade não consegue, as escolas não conseguem; isso sem falar em partidos, sindicatos, que não conseguem abrir esse caminho. E a universidade tem sentido maior; porque não sendo partidária, ela permite uma definição mais genérica.
A UERJ um pouco mais, viu Vladimir? Ela abre mais do que as outras instituições. A gente oferta uma série de bolsas, para desenvolvimento desse tipo de atividade. Nós temos mais ou menos hoje, por volta de quinhentos jovens envolvidos nisso. É bom; é significativo. E são trabalhos muito interessantes.
Eu li uma vez, eu fui lá na Universidade e você já era o Reitor, que tinha um trabalho que a Universidade tentou mobilizar contra a dengue.
Foi.
Por exemplo, esse trabalho – você tem um tremendo hospital lá ao seu lado – mas é um curso que é separado do restante da Universidade?
Não; é dentro da Universidade.
“Porque não monta, dentro de determinados temas que são prioritários para o Brasil e para o Rio de Janeiro, uma ação coletiva?”
E, por exemplo, na preparação desse pessoal, da Escola de Medicina, tem algum movimento, por exemplo? O Rio padece dessas coisas.
A gente começou a interferir. A rede explodiu, com a pandemia da dengue. Aconteceram coisas sérias. Porque os hospitais da rede pública não tinham competência técnica e ficaram com medo de receber os doentes graves; adultos e crianças. Nós fomos convocados e só atendemos os graves. Quer dizer, tivemos um óbito de uma criança, lamentavelmente, porque essa criança foi mal diagnosticada e quando ela chegou lá, estava completamente mal. Mas foi só. Seguramos o restante.
Começamos a interferir junto à Secretaria de Saúde, avisando que vai vir mais epidemia! E que é preciso se preparar, reorganizar os leitos, ter infraestrutura. Começamos a fazer uma atuação nesse sentido, chamando, pelo menos, a região. Funciona durante um tempo, por conta da comoção, depois para. Agora, o Brasil vai conviver com gripe suína no inverno e dengue no verão. No Rio de Janeiro vai ser isso. A dengue de dois em dois anos, porque é o tempo de mutação do vírus. E a gripe suína, a influenza, a gente ainda não sabe direito como é. Porque o vírus está mutando muito rápido. Esse ano é isso.
O setor público tem que se preparar. E aí, tem que chamar a Fiocruz, junto com a gente, para montar um sistema de atendimento e de pesquisa. Quem sabe a gente consegue, com esses pacientes graves, ao mesmo tempo em que está atendendo, fazer pesquisa para desenvolvimento de um fármaco. Mas não dá para fazer sozinho, este é o problema, porque atrasa um processo que podia estar rápido. Porque não monta, dentro de determinados temas que são prioritários para o Brasil e para o Rio de Janeiro, uma ação coletiva? Consorcia! Consórcio ninguém manda. O problema é esse: começam a discutir pequeno: quem vai mandar, quem vai gerenciar o recurso, quem é que vai dar o dinheiro. Aí não vai dar certo. Mas o pessoal não se junta para absolutamente nada! As públicas do Rio de Janeiro, e do Brasil, não tem uma atividade conjunta. Nada!
”Eles precisam do aval do Ministério. Eu estou sugerindo ao Ministro Haddad que bote esse dedo na cumbuca.”
Mas não se conversou sobre isso com o próprio consórcio das universidades públicas. Você falou, pensou: tem a UFF, UFRJ e não se consegue nada. Nem nessa área.
Eu estou falando sozinho nisso. Agora, o Aluísio Teixeira (UFRJ) parece que está topando, também o Gadelha da Fiocruz. Quer dizer, estivemos em uma cerimonia juntos, da Fiocruz e o Aluísio, e eu falei de novo e parece que... agora, o problema é que as Federais não se movem sem o aval do Ministro e do Ministério; nisso a UERJ é mais livre. Eles precisam do aval do Ministério. Eu estou sugerindo ao Ministro Haddad que bote esse dedo na cumbuca.
“Eu acho que nós vamos entrar numa crise grande; como a Europa está.”
Quais são as suas expectativas para o futuro do ensino superior no Brasil?
Eu acho que nós vamos entrar numa crise grande; como a Europa está. A Europa está numa crise monstruosa, sobre ensino superior. Fez uma reforma universitária muito radical, e não sabe direito... o papel da universidade hoje, na Europa, está em grave crise; inclusive de conceito de universidade. As universidades americanas vão entrar num processo de crise, porque elas são inteiramente subsidiadas pela indústria; o que também é um mal. Quer dizer, o setor industrial não está necessitando de P&D, de desenvolvimento, tão substantivo nesse momento. Em algumas áreas você tem uma sobre oferta de tecnologia, por vinte, trinta anos. Se você pensar nessa área de imagem, o mercado não consegue colocar o que já tem desenvolvido, dentro das próprias universidades. Você tem aí, trinta anos, para lançar produto no mercado – de iPod, dzPod e etc. – tem cinquenta mil coisas prontas.
O modelo de financiamento americano, exclusivamente pela indústria é um erro. Uma universidade tem outras funções. Não só de mercado, mas função de Estado, de conhecimento e tal. Então, eu acho que aí vai entrar em crise e tem que ser repensado. E quem sabe vai ser um debate produtivo e recuperar alguns temas que a gente abandonou, reatualizados. Eu tenho lido muito sobre os grandes brasileiros, Anísio Teixeira...
Darcy...
Tenho lido o Darcy, tenho lido sobre os estudantes de 60; que começaram a pensar. Acho que ali estava começando a esboçar algumas coisas, novos modelos, novas coisas.
A questão é tão difícil, que o Darcy chegou num impasse. Acho que o Darcy ali foi a culminância; não que seja o mais brilhante, mas ele foi a síntese. E ele esbarrou no fato de que a esquerda queria uma universidade socialista. Não pode ser. No capitalismo não existe. Então, esbarrou ali...
Mas ela pode ser aberta. Por exemplo, ela pode, com seus estudantes, fazer isso que eu estava dizendo, sobre a Copa. Ensinar inglês para todo mundo falar inglês: taxista, dona de casa e etc. Ela pode. Isso é uma formação universitária? Não é uma formação universitária, mas ela pode difundir um pouco esse bem.
Pode. Ela pode inclusive ser um centro cultural.
Pode.
Mas não existe essa história de universidade socialista.
Nem nos países que se diziam socialistas.
Vladimir conversa com o Coordenador de Ensino e Pesquisa do Instituto Nacional de Cardiologia.