ANO 1968
ANO 1968

O ano começa com o Calabouço

Rio de Janeiro, 28 de março de 1968.
Avenida General Justo, esquina com Santa Luzia - Centro

Estudantes secundaristas que diariamente faziam as refeições no Calabouço iriam realizar mais uma das inumeráveis manifestações pela conclusão do restaurante. Saíam para as ruas, quando a Policia Militar chegou atirando.

O resultado foi trágico: o restaurante foi depredado, muitos estudantes feridos por estilhaços de granadas e atingidos por bombas de gás lacrimogêneo e um secundarista de 16 anos, Edson Luis Lima Souto, assassinado com tiro à queima-roupa.

O jovem vindo do Pará para estudar no Instituto Cooperativo de Ensino, anexo ao Calabouço, tinha como objetivo cursar a Faculdade de Medicina. Ele prestava serviços burocráticos e de limpeza ao Instituto para ajudar nos estudos.

De acordo com editorial do jornal Correio da Manhã, de 29 de março de 1968, “não agiu a Polícia Militar como força pública, agiu como bando de assassinos.... Há um estudante morto (16), um outro em estado gravíssimo (20). Um porteiro do INPS que passava pelo Calabouço também terminou morto.

Um cidadão que, na Rua General Justo, assistia da janela de seu escritório, ao selvagem atentado, recebeu um tiro na boca. Esse é o saldo da noite de ontem.”

 

Rio de Janeiro, 29 de março de 1968.
Cinelândia - Centro - Botafogo

Com receio que a Polícia Militar sumisse com o corpo de Edson Luis, os estudantes o levaram para ser velado na Assembléia Legislativa. A notícia da tragédia havia se espalhado. Pela manhã, uma multidão se acumulava com faixas e cartazes: “Bala Mata Fome”, “Assassinaram um estudante”, “Covardia”, “O teatro está de luto” , “Abaixo a Ditadura Fascista”, “Brasil, seus filhos morrem por você”.

Estudantes, operários, representantes sindicais se alternavam nos pronunciamentos contra a morte de Edson Luis.

No Jornal dos Sports, a manchete “E Podia Ser Seu Filho”, se referia ao slogan entoado durante a caminhada da Cinelândia ao Cemitério São João Batista, em Botafogo, para o enterro.

Mais de 50 mil pessoas tomaram as ruas, se engajando no que se tornara o primeiro grande ato de protesto contra o regime militar. Estudantes decretaram greve geral, entidades estudantis de vários estados solidarizavam-se através de telegramas à UME, sindicatos - dos bancários, professores e jornalistas -, bem como artistas de teatro e intelectuais demonstravam apoio ao movimento.

Pelo caminho, os estudantes recebiam aplausos e chuva de papel picado dos edifícios. Ao passar em frente à antiga sede da UNE, na Praia Vermelha, Vladimir Palmeira, presidente da UME - União Metropolitana dos Estudantes - e Elinor Brito, o presidente da FUEC - Frente Unida dos Estudantes do Calabouço -, subiram nas janelas do antigo prédio da entidade nacional e discursaram rapidamente.

 

clique para ampliarManifestação pelo fim das obras do Calabouço
Manifestação pelo fim das obras do Calabouço
Foto: Arquivo

clique para ampliarVelório do secundarista Edson Luis, na Assembléia Legislativa
Velório do secundarista Edson Luis, na Assembléia Legislativa
Foto: Arquivo

clique para ampliarVladimir ajuda a carregar caixão de Edson Luis até o Cemitério São
Vladimir ajuda a carregar caixão de Edson Luis até o Cemitério São João Batista
Foto: Evandro Teixeira

clique para ampliarJornal dos Sports
Jornal dos Sports

“A ditadura que está matando os trabalhadores de fome, agora quer matar os colegas à bala.

As manifestações de protesto não vão cessar agora. Amanhã estaremos na rua para proclamar que não tememos a ditadura.”

Elinor Brito e Vladimir na janela da UNE
Elinor Brito e Vladimir na janela da UNE.
Foto: Arquivo

No final do enterro, vários estudantes voltaram à frente da Assembléia Legislativa pra acender velas. Três tropas de choque da Polícia Militar foram enviadas ao local para dispensar o pessoal. Mais violência e prisões.

 

Rio de Janeiro, 01 de abril de 1968
Cinelândia - Centro

As lideranças estudantis haviam marcado um ato de protesto para essa segunda-feira. A concentração seria em frente ao prédio da Assembléia Legislativa. Os ânimos passam a se acirrar. Vladimir Palmeira sintetiza o sentimento de indignação em função dos acontecimentos.


“Os secundaristas estão solidários com essa luta contra aqueles que querem matar os estudantes a bala e amarrar-lhes a boca com cassetete.”
Vladimir discursando
Foto: Arquivo

 

O Jornal do Brasil, em seu editorial, “Educação e Polícia”, cita a pregação do Papa Paulo VI, em Roma, que demonstrava preocupação com o choque entre juventude estudantil e governos, em vários países do mundo.

De acordo com o JB, o Papa havia defendido uma ampla reforma do ensino para atender aos anseios da juventude, que buscava padrões mais altos de aprendizado, em virtude do progresso tecnológico.

Em seguida, o editorial critica o descaso com a educação no Brasil, por parte do governo, assim como a falta de interesse em se estabelecer um diálogo com os estudantes. “... a indiferença governamental pela Educação é o grande escândalo permanente no Brasil .... A Educação no Brasil é por excelência a vergonha nacional.”

Nas ruas do Centro do Rio, entretanto, mais de cinco mil soldados da Polícia Militar agrediam com violência estudantes e populares que participavam da passeata de protesto.

Brucutus e cavalaria impediam a passagem na Avenida 13 de maio em direção à Cinelândia. No Largo da Carioca, jatos d’água e caminhões afastavam a manifestação.

clique para ampliarCavalaria sai às  ruas para intimar estudantes
Cavalaria sai às ruas para intimar estudantes
Foto: Arquivo

clique para ampliarBombeiros apagam fogo em carro
Bombeiros apagam fogo em carro
Foto: Arquivo

 

Rio de Janeiro, 04 de abril de 1968
Candelária - Centro

A missa de sétimo dia de Edson Luis seria realizada na Igreja da Candelária, às 18h, pelo Vigário Geral do Rio, Dom José de Castro Pinto. As lideranças estudantis se unificavam cada vez mais. O presidente da UME, em entrevista coletiva publicada em vários jornais, informava a decisão de não realizar ato de protesto após a celebração, a intenção era dispersar a massa. Para Vladimir Palmeira, os estudantes não aceitariam provocações da polícia.

Contudo, a polícia já se encontrava nas ruas com o objetivo de dispersar a multidão. Bombas de gás lacrimogêneo eram lançadas para impedir a entrada de estudantes e populares na Candelária. Durante a missa, a cavalaria cercou a saída da igreja, tanques do exército se posicionavam em locais estratégicos e agentes do DOPS permaneciam infiltrados no local.

Ao final da celebração, violência. Golpes de sabre em meninos, meninas, moças e senhoras. Bombas de gás voltaram a ser jogadas, cavalos atropelavam quem ousasse sair da Candelária.

Diante das cenas, um grupo de padres se posicionou. Todos se abraçaram formando um cordão de isolamento, tentando ajudar na dispersão dos estudantes. Mas a polícia foi implacável.

clique para ampliarPadres defendem estudantes da polícia  após missa de sétimo dia
Padres defendem estudantes da polícia após missa de sétimo dia
Foto: Arquivo

clique para ampliarIgreja da Candelária é cercada durante missa de sétimo dia de Edson
Igreja da Candelária é cercada durante missa de sétimo dia de Edson Luis
Foto: Arquivo

clique para ampliarConfronto entre polícia e estudantes na porta da Candelária
Confronto entre polícia e estudantes na porta da Candelária
Foto: Arquivo

 

Rio de Janeiro, 9 de abril de 1968
Entrevista

As manifestações estudantis passaram a ter repercussão internacional. Vladimir Palmeira é entrevistado por um grupo de correspondentes estrangeiros sobre a crise política ocasionada após a morte do estudante Edson Luis.

- Mesmo depois de todas as violências policiais praticadas contra nós, os estudantes continuam dispostos ao diálogo, com a primeira autoridade que queira seriamente, discutir problemas educacionais e apresentar qualquer melhora, afirmava.

Durante a entrevista, são reafirmadas as reivindicações específicas dos estudantes, contra a privatização do ensino, a favor de mais verbas e mais pesquisa, e da federalização de todo o sistema universitário.

- O que os estudantes desejam são muitos técnicos que tenham capacidade de pesquisa para que se possa formar uma tecnologia verdadeiramente brasileira e uma indústria de características nacionais, declarava o presidente da UME, no jornal Correio da Manhã.

 

Rio de Janeiro, 24 de abril de 1968
Centro

Até o final do mês de abril, começam as tentativas de diálogo entre estudantes e autoridades governamentais. Buscando evitar confrontos com a polícia, Vladimir Palmeira consegue autorização do governador do estado, Negrão de Lima, para realizar manifestação a favor da reabertura do restaurante Calabouço. O governo havia oferecido bolsa alimentação à alguns alunos que freqüentavam o restaurante, porém todos aqueles que cursavam o Instituto Cooperativa de Ensino ficariam sem ter onde fazer as refeições. Seriam seis mil jovens nesta situação.

Estudantes se reuniram em frente ao Ministério da Fazenda, sendo observados de longe por tropas de choque da Polícia Militar.

Agentes do DOPS infiltrados, tentaram prender o presidente da FUEC, Elinor Brito, que conseguiu escapar ao entrar em um táxi.

O mesmo aconteceu com o presidente do DCE da UFRJ, Walmor Soares. Ao final, todos se dispersaram.

 

Rio de Janeiro, 01 de maio de 1968
Campo de São Cristóvão

Estudantes se uniram à classe operária para as comemorações do Dia do Trabalho, a favor das grandes manifestações e contra o arrocho salarial. Cerca de três mil pessoas compareceram ao ato, vigiadas por 500 soldados da Polícia Militar e viaturas do DOPS.

No palanque, discursaram políticos, líderes sindicais e representantes de entidades estudantis, como UNE e UME. O Senador Mário Martins, que esteve presente, mais uma vez solidarizava-se com a causa dos estudantes.

- Enquanto existirem resistências como a do Calabouço, nós lutaremos, disse.

clique para ampliarVladimir defende reabertura do Calabouço
Vladimir defende reabertura do Calabouço
Foto: Arquivo


clique para ampliarEstudantes deram força ao 1o de maio

Jornal dos Sports

 

 

ANTERIORPRÓXIMA