Neste período, as divergências entre duas fortes correntes no movimento estudantil se acirraram. A corrente do presidente da UNE, Luiz Travassos, insistia em realizar novo Conselho, em São Paulo, para discutir sobre política internacional, política nacional e movimento estudantil.
De acordo com Vladimir Palmeira, presidente da UME, não havia motivo para a realização de tal encontro, pois todos já haviam se reunido no Conselho da UNE em Salvador, no mês de maio, onde fora aprovado a convocação de um Congresso e a elaboração de um estatuto da entidade.
Assim, amparado pela diretoria da própria UNE e pela ampla maioria dos presidentes dos diretórios das universidades, Vladimir Palmeira defendeu a realização do Congresso da União Nacional dos Estudantes. Em assembléia na PUC, mais de dois mil universitários aceitaram as propostas da UME, de prosseguir com a luta estudantil e realizar o Congresso.
Os debates acirrados dentro do movimento estudantil não impediam a ação dos estudantes em outras frentes. Uma delas foi o apoio ao movimento sindical. Operários de Osasco, liderados por José Ibraim, deflagraram greve na segunda quinzena de julho, contra o arrocho salarial da ditadura, o aumento do custo de vida e a falta de segurança no trabalho.
Mais de cinco mil metalúrgicos ocuparam seis fábricas da cidade, entre elas a Cobrasma e a Loneflex. A intenção dos trabalhadores era organizar uma greve geral a partir do movimento, que atingisse a região do ABC paulista, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Porém a polícia interveio com violência, com pelotões de choque, cavalaria, brucutus e muitas prisões.
Em São Paulo, estudantes da USP foram às ruas prestar solidariedade aos grevistas, recolhendo dinheiro e seguindo em manifestação pelo centro da capital paulista.
Eles foram reprimidos por forte ação policial dentro da Faculdade de Direito, cujo resultado foi mais de 40 presos.
No Rio de Janeiro, a UME organizou comícios-relâmpagos de apoio à greve em bairros como Centro, Bangu e Benfica até o fim do mês de julho. Vladimir Palmeira subia em caixotes, postes, banquinhos, discursando por cerca de cinco minutos e saindo rapidamente, para evitar o confronto com a polícia.
Polícia prende metalúrgicos que participam da greve geral
Foto: Arquivo
“O movimento terminou, mas os operários sabem que existe longo caminho a percorrer, até que suas reivindicações sejam atendidas.
Eles tem certeza de quem os oprime”
As manifestações de rua estavam proibidas pelo regime militar, mas os estudantes se movimentavam na contra-mão do trânsito, criando barricadas, virando carros e pichando muros.
Em Benfica, os estudantes pararam o trânsito das Avenidas Suburbana e dos Democráticos para distribuir panfletos explicativos sobre a paralisação de Osasco.
Em outra ocasião no Centro, os estudantes chegaram a ocupar o prédio do Ministério do Trabalho, numa ação que teve enorme repercussão.
Mais de duzentos estudantes se concentraram no campus da UFRJ, no primeiro dia de aula, protestando contra o corte de 20% nas verbas para a universidade, o aumento de 25% no preço do restaurante universitário e a extinção das bolsas alimentação. Eles planejavam discutir a proposta da UME, de entrar em greve geral, em função do descaso do governo com a política educacional numa assembléia a ser marcada até o fim daquela semana.
“Partiremos para uma greve geral no caso de repressão ou caso não sejam atendidas nossas reivindicações.”
O presidente da FUEC, Elinor Brito, explicava que após o governo militar ter fechado o restaurante Calabouço, onde os secundaristas faziam suas refeições a preços populares, passaram a utilizar os refeitórios da UFRJ, com apoio dos alunos.
Com os cortes, eles também ficavam proibidos de comer nos restaurantes universitários:
- Se nós não conseguimos comer nos restaurantes estudantis, voltaremos a nos utilizar da operação-pendura nos restaurantes dos ricos, afirmou.
Após a manifestação, a Reitoria resolveu reexaminar os valores fixados nas novas tabelas, em função da situação dos estudantes carentes de recursos. Mas esta luta foi interrompida pela inesperada prisão de Vladimir Palmeira, no dia seguinte.
Ele foi levado para a 13ª Delegacia de Polícia e posteriormente, para o DOPS, permanecendo depondo, incomunicável, durante todo o dia.
Comícios eram feitos nas esquinas, pelos líderes Franklin Martins, vice-presidente da UME, Elinor Brito, presidente da FUEC, Jean Marc, presidente do diretório da faculdade de Química, Marco Medeiros, Carlos Muniz, presidente do DCE, além do escritor Hélio Pelegrino, que mostrava o grau de indignação geral:
Soldados da PM chegaram junto com dois choques, espancando estudantes, populares, jornalistas e fotógrafos com cassetetes, dispersando a manifestação. Mais de 15 estudantes foram presos e levados para a Polícia Central.
A prisão do presidente da UME gerou protestos de todos os setores da sociedade, unindo mães, artistas, intelectuais e políticos. Tropas do exército ocuparam as ruas, com o objetivo de impedir as manifestações e garantir a ordem.
Vladimir permanecia incomunicável no quartel da Vila Militar. O advogado Marcelo Alencar, junto com a esposa do presidente da UME, Ana Maria, tentavam um encontro com ele, mas sem sucesso. Oficiais do exército não acataram a ordem do Superior Tribunal Militar determinado quebra de incomunicabilidade, encaminhada pelo advogado. O pedido de habeas-corpus impetrado, também ainda não havia sido julgado.
Para Ana Maria, a prisão do marido resultou de uma falha no esquema de segurança.
Nos jornais, vários editoriais criticavam a situação de incomunicabilidade do presidente da UME e a questão do cerceamento do direito de defesa.
Com isso, mais de dois mil estudantes pararam o Centro do Rio em passeata para exigir a libertação de Vladimir Palmeira e protestar contra a repressão do regime militar.
As lideranças seguiram com a prática de comícios-relâmpagos, como o de Franklin Martins que se segurava num poste.
Durante o trajeto, se utilizavam de barricadas para bloquear o trânsito, distribuíam panfletos, viravam carros e pichavam ônibus.
Papéis picados eram lançados do alto dos edifícios como prova de simpatia pela causa estudantil.
No Jornal dos Sports, mais uma crítica do humorista e caricaturista Henfil, à prisão de Vladimir Palmeira. Vladimir, torcedor do Fluminense e Henfil, flamenguista, ironizava o Gravatinha, símbolo dos tricolores.
Nesse meio tempo, o Conselho Permanente de Justiça da 2ª Auditoria da Aeronáutica decidiu decretar a prisão preventiva do presidente da UME por 30 dias, por considerá-lo “responsável por vultuosos prejuízos à vida da cidade”, conforme matéria do Correio da Manhã, dando desta forma, subsídios para a legalidade do ato.
Enquanto o presidente da UME permanecia preso na Vila Militar, no Rio de Janeiro, seu pai, o Senador Rui Palmeira, da UDN, partido que sustentava o governo, fez um pronunciamento sobre a situação da prisão de Vladimir, no plenário do Congresso Nacional, emocionando todos os presentes.
- Meu silêncio decorre da coincidência de ser pai e homem público. O pai sente, admite que sofre ....mas nem o sentimento, nem o sofrimento... saem da intimidade dos meus. ... Ele é um dos meus seis filhos, criados todos numa escola de independência e de retidão. Não lhes demos, nem a mãe, nem eu, educação baseada em privilégios, afirmou.
O Senador Rui Palmeira lembrou ainda, que o líder estudantil jamais se valeria da condição de filho de parlamentar para ter um tratamento diferente, assim como nunca havia usado o nome do Senador para lutar pelas reivindicações dos estudantes. Para ele, a demora no encaminhamento das reformas propostas pelo governo acentuava as aflições e inquietações, precipitando as crises entre o regime militar e forças políticas, principalmente entre os estudantes.
A Comissão executiva do MDB decidiu dar ênfase à luta pela anistia dos estudantes, professores, religiosos, artistas e trabalhadores vítimas da repressão do governo militar, criando comissões para visitar todos os presos, começando pelo líder estudantil Vladimir Palmeira.
Numa operação conjunta, Polícias Militar, Federal, Civil, do Exército, DOPS e SNI invadiram a Universidade de Brasília, provocando depredação, violência e brutalidade. Mais de 30 radiopatrulhas e choques cercaram o campus da UNB que mergulhava em nuvens de pólvora e gás.
Sob alegação de cumprir mandato de prisão preventiva de seis alunos, entre eles Honestino Guimarães, presidente da FEUB - Federação dos Estudantes Universitários - , que acabou sendo preso, policiais arrombaram salas de aula, quebraram móveis, espancaram alunos e professores, além de ferir vários estudantes, como Valdemar da Silva Filho, que foi baleado na cabeça. A indignação foi geral: associações, sindicatos, mães, até parlamentares de partidos que apoiavam o governo se manifestaram contra os atos de violência ocorridos na UNB.
No Rio de Janeiro, estudantes protestaram em frente à Reitoria da Praia Vermelha contra a invasão da Universidade de Brasília e contra a prisão do estudante de medicina Medel Ayrel. A manifestação começou no teatro de arena da Faculdade de Economia, parou em frente ao gabinete do reitor Clementino Fraga Filho, seguindo pela Avenida Pasteur em direção à Faculdade de Medicina. Os estudantes pararam veículos, picharam muros e ônibus.
Em São Paulo, a polícia reprimia brutalmente uma passeata na Praça da República com cães, cavalos, bombas de gás e metralhadoras. Os estudantes se dirigiam ao Vale do Anhangabaú, com faixas de “Soltem nosso presos”, “Realizaremos o Congresso da UNE”, entre outras. Mais de 60 universitários foram presos, espancados e mordidos. O presidente da UEE, José Dirceu, conseguira fugir.
Pela segunda vez consecutiva, o Superior Tribunal Militar negava o habeas-corpus do líder estudantil Vladimir Palmeira. O advogado Marcelo Alencar resolveu recorrer ao Supremo Tribunal Federal, impetrando novo pedido.
Em conseqüência, o Conselho Permanente de Justiça da 2ª Auditoria da Aeronáutica, em reunião secreta, decidia prorrogar por mais 30 dias a prisão preventiva de Vladimir Palmeira. A explicação, de acordo com matéria do Jornal do Brasil, seria que desde a prisão do líder estudantil, as manifestações de rua haviam diminuído de intensidade e caso fosse solto, Vladimir Palmeira continuaria dirigindo as passeatas de rua.
A Revista Veja registra em matéria de capa o inconformismo da esposa de Vladimir, Ana Maria Palmeira, neste período.
Após longas semanas de espera, o Supremo Tribunal Federal concedeu habeas corpus ao ex-presidente da UME. Ana Maria Palmeira e um oficial de justiça se dirigiram à Vila Militar, com o alvará de soltura, mas tiveram que aguardar durante toda a tarde. Apenas às 19h o comandante decidiu liberar Vladimir Palmeira.
Nesse momento, o Conselho de Justiça da 2ª Auditoria de Marinha estava reunido, com objetivo de decretar nova prisão preventiva por mais 30 dias. Entretanto, Vladimir Palmeira já se encontrava dentro do carro com malas e pertences, acompanhado da esposa, Ana Maria e da irmã Nádia, seguindo em direção à PUC. Ele queria verificar o final da apuração das eleições para a presidência do DCE da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde Franklin Martins conseguia ampla vantagem sobre o candidato de Luiz Travassos, Marco Nascimento.
No mês de setembro aconteciam eleições para a direção das entidades estudantis e diretórios acadêmicos das universidades. A UME, por exemplo, tinha realizado o 25º Congresso dias antes, com a presença de 170 delegados da UFRJ, UEG, Rural, PUC, Gama Filho e independentes, sob rigoroso esquema de segurança. O novo presidente, Carlos Alberto Muniz, daria seqüência à política do seu antecessor. Com isso, a vitória de Franklin Martins no DCE garantia ainda mais a hegemonia da corrente de Vladimir.
"Logo nos primeiros dias, chegou perto de mim um tenente, com um menino de uns cinco anos pelo braço. Me apontou para o menino e falou:
"Olha bem esse sujeito, meu filho. É por causa dele que teu pai fica sempre de prontidão e não pode passar mais tempo contigo. Minha vontade é dar um tiro nele, mas o coronel proibiu. Olha bem para ele, meu filho. Ele é teu inimigo e do teu pai".
Depois a situação mudou. No fim, já brincava comigo: "Por que você não dá um jeito de o Franklin, o Muniz e o Marcos Medeiros virem para cá? Assim a gente fazia um jogo de estudantes contra a Vila Militar.”
O advogado, Marcelo Alencar, contestava o pedido de manutenção de prisão, por inexistência de provas e carência de características legais.
- O DOPS não o enquadrou em nenhum dispositivo de lei. Isso vai forçar o processo de radicalização e lançar a opinião pública contra os militares, principalmente, jogar uma justiça contra a outra, sem levar em conta sequer a hierarquia, afirmou em matéria do Correio da Manhã.
Contudo, a nova prisão fora decretada pela 2ª Auditoria de Marinha. Imediatamente, delegacias do DOPS e regiões militares recebiam por telex a informação.
Com isso, Vladimir Palmeira optou pela clandestinidade, só aparecendo em público novamente no 30º Congresso da UNE, marcado para outubro, na cidade de Ibiúna, em São Paulo.
Lideranças estudantis organizaram uma passeata saindo da Praia Vermelha, passando pelo Centro do Rio, em direção à Praça Mauá em protesto à repressão da América Latina. Os jovens seguiam na contra-mão da Avenida Rio Branco, entoando palavras de ordem como “ Acabar com a ditadura”, “ Recusar o imperialismo”.
Comícios-relâmpagos eram realizados pelo caminho, pelos presidentes da UME, Carlos Muniz, do DCE, Franklin Martins e da FUEC, Elinor Brito. Havia unanimidade nos discursos contra o regime militar: “a ditadura que invade nossas universidades, assim como no México, Uruguai, assassinando impunemente os estudantes”.
A Faculdade de Filosofia da USP, importante centro estudantil de esquerda, viveu um dia sangrento. Enquanto estudantes arrecadavam fundos para o congresso da UNE na rua Maria Antônia, foram atacados pelo grupo paramilitar de direita Comando de Caça aos Comunistas, ligado ao DOPS, que se organizava dentro da Universidade Mackenzie. O CCC invadiu o prédio da Maria Antônia - como era conhecida a faculdade - transformando o local num verdadeiro campo de guerra, depredando, ferindo alunos e matando dois estudantes.
Embora a devastação provocada por bombas de coquetel molotov, os ânimos se acirraram após a confirmação da morte do secundarista José Guilherme Guimarães, com um tiro na cabeça. Estudantes liderados por José Dirceu, saíram em passeata, protestando com cartazes de “Mataram um estudante, abaixo a ditadura”. A ditadura assassina, organiza e arma o CCC”. No caminho, em direção à Praça da Sé, carros eram virados. Com a chegada da tropa de choque da polícia, mais violência e várias prisões.
No dia seguinte, lideranças estudantis convocaram nova passeata contra a invasão da Escola de Filosofia da USP. A concentração foi na Praça da Sé. O presidente da UEE, José Dirceu, segurando a camisa ensangüentada do estudante morto, iniciava a manifestação.
- Sabemos que uma ditadura de classes só tem uma solução: violência. Mas o povo sabe responder com a violência justa, afirmou.
Entretanto, a violência se intensificou. Bombas de gás lacrimogêneo eram lançadas nas ruas ao redor da Praça da Sé. Estudantes corriam, tentando se esconder em lojas e edifícios próximos. Na seqüência, cenas de pânico, com muita gritaria, agressões e espancamentos.
Durante um bom tempo foi veiculada pela imprensa, a versão de que houvera um conflito entre os estudantes da Universidade Mackensie e os da Filosofia da USP. Porém, o presidente da UEE, José Dirceu, apresentava outra versão dos acontecimentos:
- Não é verdade que houve um choque entre a Maria Antônia e o Mackensie, entre os estudantes do Mackensie e o movimento estudantil. Houve uma minoria do Mackensie armada e treinada pelo DOPS, com agentes do DOPS lá dentro, com armas, inclusive armas exclusivas das Forças Armadas(...) Era um grupo pequeno do Mackensie organizado pelo CCC, que montou uma provocação para ocupar e destruir a Maria Antônia e para tirar o movimento estudantil do centro da cidade. Foi isso que aconteceu, afirma, em depoimento ao livro “ Memórias Estudantis: da Fundação da UNE aos nossos dias”.
No Rio de Janeiro, sete pessoas ficaram feridas e mais de 100 estudantes foram presos durante três passeatas em solidariedade aos alunos da USP, massacrados pelo CCC. As ruas do Centro do Rio ficaram impregnadas de fumaça das bombas.
Na tentativa de desorientar o esquema repressivo, o presidente da UME, Carlos Muniz, seguia com um grupo pela Rua Primeiro de Março. Elinor Brito, da FUEC, conduzia os secundaristas pela Rua Santa Luzia, em direção à Avenida Rio Branco. Outro grupo se concentrava em frente à embaixada dos Estados Unidos.
Contudo, a polícia cercou o local, com carros, armas e bombas impedindo a passagem dos estudantes, que tentavam revidar com pedras e pedaços de pau. Entre os presos, 30 moças e o ex-presidente do DCE, Marco Medeiros.
Estudantes sendo presos nas ruas
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Bombas estouram na Faculdade de Filosofia da USP
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Estudante ferido é carregado pelos colegas
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José Dirceu discursando
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Tropa da polícia chegando para inibir manifestação
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