Mães, artistas, intelectuais, estudantes, professores, políticos, operários e religiosos chegavam à Cinelândia, local marcado para a concentração da grande passeata contra a violenta repressão da polícia às reivindicações estudantis.
Desta vez, o presidente Costa e Silva recomendou ao governador Negrão de Lima a realização da manifestação. Com a intenção de esvaziar o movimento, o governo da Guanabara decretou ponto facultativo. Agentes do DOPS disfarçados permaneciam no local. Um dos objetivos era prender Vladimir Palmeira.
Por volta das 11h, a frente da Assembléia Legislativa já havia sido tomada. Lideranças estudantis, políticos e populares se revezavam nos discursos. Entre eles, Luis Travassos, da UNE, Elinor Brito, da FUEC, Walmer Soares, do DCE da UFRJ, o escritor Hélio Pelegrino, o padre João Batista Ferreira, o professor José Américo Peçanha, Irene Papi representando as mães, além de sindicalistas.
O presidente da UME, Vladimir Palmeira, chegou à Cinelândia, com forte esquema de segurança, montado pelos próprios estudantes, ao lado da esposa, Ana Maria, sendo muito aplaudido. Fez vários discursos, repetindo sempre aos estudantes, que não aceitassem provocações de policiais infiltrados na concentração.
“Pessoal, a gente é a favor da violência quando ela é aplicada para fins maiores. No momento, ninguém deve usar a força contra a Policia, pois a violência é própria das autoridades, que tentam por todos os meios calar a voz do povo.
Somos a favor da violência quando, através de um processo longo, chegar a hora de pegar nas armas. Aí, nem a polícia, nem qualquer outra força repressiva da ditadura, poderá deter o avanço do povo."
"Nós queremos os cadáveres dos estudantes que foram mortos durante as últimas manifestações. Todos viram seus corpos, ao vivo e nos jornais, e não é possível que o governador e as outras forças repressivas continuem a esconder os seus corpos para iludir a população."
Padres e freiras se juntaram numa grande ala, trazendo faixas com dizeres “Fazer calar nossos moços é violentar nossas consciências” e repetindo slogans como “A Igreja quer justiça”, “Liberdade para os presos”, “ Os alunos tem razão”.
Entre os participantes, o bispo e vigário-geral do Rio, Dom Castro Pinto, o cardeal Don Jaime Câmara, o presidente da Associação Católica da Guanabara, padre Vicente Ádamo, representantes dos colégios São Vicente de Paulo, Santo Agostinho, Sion, Zacarias, membros da Ordem dos Lázaros, além de madres e irmãs vicentinas, ursolinas e marianas.
Na ala dos políticos, destacavam-se o senador Mário Martins acompanhado da esposa, o advogado e ex-senador Marcello Alencar e os deputados estaduais Alberto Rajão, Fabiano Vilanova, Ciro Kurtz, Jamil Hadad.
Entre eles Gilberto Gil, Caetano Veloso, Edu Lobo, Nana Caymmi, Torquato Neto, Tônia Carrero, Paulo Autran, Antonio Pedro, Nélson Mota, Marieta Severo, Leonardo Vilar, Oscar Niemeyer, Clarice Lispector, Milton Nascimento.
Também de braços dados marchavam Chico Buarque, Norma Bengel, Odete Lara, Antônio Pedro, Ziraldo, Jaguar, Dias Gomes, Vinícius de Moraes, Glauber Rocha, Djanira, Carlos Scliar, Leandro Konder, Oduvaldo Viana Filho, Ferreira Gullar, Millor Fernandes, Antônio Pitanga...
Ala dos intelectuais, com Clarice Lispector, Oscar Niemayer, Milton Nascimento, etc.
Foto: Arquivo
O líder Vladimir Palmeira subiu em cima de um carro, pedindo para que todos se sentassem.
Fez novo discurso, renovando o pedido de cuidado com os policiais do DOPS infiltrados, afirmando o poder do movimento de massas.
“Não quero quebra- quebra, nada de agitação.
Eles querem baderna. Nós queremos outra coisa, muito diferente.”
Depois de seis horas de manifestação, estudantes e populares chegavam ao Palácio Tiradentes, sem nenhum conflito com a polícia.
Foi grande a repercussão da Passeata dos Cem Mil. Todos os jornais deram destaque à manifestação que havia ocorrido de forma pacífica e sem repressão, assim como à atuação do presidente da UME, Vladimir Palmeira, que se distinguia dos demais, pelo espírito de liderança.
A revista americana Time, citava Vladimir Palmeira como líder estudantil, que comandou milhares de pessoas na maior manifestação pública dos últimos quatro anos, que aglutinou “cidadãos comuns, escritores, professores, trabalhadores, freiras e padres da Igreja Católica”, dando ênfase ainda à chuva de papel picado que caía dos escritórios dos edifícios da Avenida Rio Branco.
No Jornal do Brasil, referências às lideranças do movimento estudantil, em artigos sobre Vladimir Palmeira e Hélio Pelegrino.
Os estudantes, afinal, foram recebidos por uma autoridade governamental, ninguém menos que o próprio Presidente da República, General Costa e Silva. Franklin Martins e Marcos Medeiros, juntamente com o escritor Hélio Pelegrino, o professor José Américo, o padre João Batista e o advogado Marcello Alencar foram os representantes da comissão popular eleita na Passeata dos Cem Mil. Contudo, não obtiveram êxito. Costa e Silva exigia o fim definitivo de qualquer manifestação estudantil. A UME não poderia aceitar tal condição. E os estudantes decidiram voltar às ruas. Uma nova passeata foi marcada para o Centro do Rio, pedindo sobretudo a libertação dos presos.
A concentração era em frente ao prédio do MEC. Estudantes chegavam de vários pontos distintos, Cinelândia, Castelo, Largo da Carioca, Avenida Antônio Carlos, Avenida Nilo Peçanha. Junto com eles, novamente padres, freiras, intelectuais, mães de alunos, artistas, jornalistas e populares.
Vladimir Palmeira dirigiu a manifestação e fez vários discursos, criticando a ditadura militar.
“Os estudantes e o povo voltam às ruas porque o governo se negou a atender às nossas exigências. À série de reivindicações que fizemos, a ditadura respondeu não. Pois, não, respondemos nós.
Não à repressão, não à dominação estrangeira, não à exploração de um povo, não à miséria deste povo, não à morte deste povo. Os estudantes cumprem seu papel de denúncia da ditadura.”
A passeata reuniu mais de 50 mil pessoas e parou as ruas do Centro do Rio de Janeiro por cerca de sete horas.
Em frente do prédio do Jornal do Brasil, Vladimir Palmeira e Elinor Brito pararam e fizeram pequeno discurso, negando a notícia de que ambos haviam se desentendido, ocasionando uma cisão entre a UME e a FUEC.
Depois de passar pela Avenida Rio Branco, Buenos Aires, Regente Feijó, Campo de Santana, contornar a Praça da República e o Hospital Souza Aguiar, os estudantes pararam em frente ao Supremo Tribunal Militar, onde Vladimir Palmeira fez o encerramento da manifestação, de cima do capô de um carro.
“Paramos aqui para dizer a este Tribunal que deve parar de ser militar e ser mais a favor do povo, pois é aqui que nossos colegas são julgados.
Estamos reunidos para levar um habeas-corpus de todo o povo para libertar nossos presos.”